2011-02-01

Aconteceu comigo ontem à noite!

ONTEM ESTIVE COM UM DOS GRANDES


O escritor e poeta G.K. Chesterton disse que “há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes”. Esta foi exatamente a sensação que me ocorreu ontem. O que parecia que seria uma segunda-feira à noite como tantas milhares de outras acabou sendo uma que nunca irei esquecer.
Seis e pouco da tarde recebo um telefonema do meu amigo violonista Ítalo Perón, dizendo que Paulo Vanzolini acabara de lhe telefonar “solicitando” uma roda de choro na casa dele. Eu seria um dos poucos e felizardos convidados. Fui, com o coração aos pulos e com o cavaquinho debaixo do braço. Como recusar a um convite desses?
Lá chegando, desci do carro e tive um surto do que seria algo próximo à Síndrome de Stendhal, aquela sudorese, palpitação, sensação diáfana que se sente diante de uma grande obra de arte. Em poucos segundos eu estaria entrando na casa de Paulo Vanzolini, autor de centenas de obras de arte que eu tanto admiro há tantos anos. Parei, respirei e toquei o interfone da pequena casa de vila.
Na pequena sala já estavam em plena atividade o já citado Ítalo, acompanhado de Fábio Perón no bandolim, Pratinha na flauta, Artur no pandeiro, Cidão ao cavaco e a também anfitriã Ana Bernardo nos vocais. Timaço! No canto, sentado numa poltrona, o velho Mestre! Me apresentei como quem dá a mão a um anjo e disse: muito prazer! Poucas vezes na vida disse essa expressão com tanto significado. A despeito de Ítalo ter dito ao Mestre que eu seria um escritor e compositor (háháhá...”que sé yó”, como dizem os portenhos) já percebi de cara que seria muito benvindo e bem tratado por ele.
Já saquei o cavaco do “case” e me aboletei perto dele, antes que um súbito ataque de pânico sobreviesse. Logo de cara ele pediu “pedacinhos do céu”, letra colocada por ele na imortal criação de Wladir Azevedo. Atacamos. Ao final Paulo Vanzolini estava em prantos e anunciou solenemente que aquela música o emocionava demais. Começamos bem! A partir daí, tudo o que ele disse foi diretamente para mim, olhando nos meus olhos, porque não me conhecia e queria mostrar suas obras e contar suas histórias para mim, como se eu não as conhecesse. Disse (sinceramente) que era uma ousadia da parte dele colocar letra num choro de Waldir Azevedo e que ele deveria estar revirando dentro do caixão. Disse ainda que para ele isso era uma grande honra. Não agüentei e disse sem pensar: “para o Waldir também certamente é”, como se o próprio tivesse me soprado a frase nos ouvidos, lá do além!
A noite foi rolando de forma agradabilíssima e nos intervalos das músicas o “Seu” Paulo foi contando histórias deliciosas, sempre olhando para mim. Contou que se tornou grande amigo de Garoto e que com ele nunca conversou sobre música. Também foi amigo de Jacob do Bandolim e ensinava lições de ciências ao filho dele, Sérgio Bittencourt, quando este era garoto. Foi, enfim, gratuitamente contando grandes histórias sobre grandes pessoas, algumas tristes, outras engraçadas. Um patrimônio histórico absurdo e que deveria ser escrito algum dia, se ele concordasse.
O mais curioso é que “Seu” Paulo, por não se considerar músico e compositor e sim um cientista (também dos bons), contava essas histórias como se estas pessoas todas fossem superiores a ele, como se fosse uma dádiva essas pessoas lhe concederem amizade, como se ele não fosse um grande ícone da música brasileira. Entendi imediatamente que ele se vê num degrau inferior. Incrível!
Em determinado momento começamos a tocar as suas próprias obras, com ele cantarolando baixinho.
Tocamos “Seu Barbosa” e ele me contou que fora uma música encomendada para tirar uma onda com Adoniran. Senti-me tentado a dizer que ouvi essa história contada por ele mesmo no documentário “Um Homem de Moral” (já gastei o DVD de tanto asisitir), mas prudentemente calei e deixei o Mestre falar.
Não tocamos as mais óbvias (Ronda, Praça Clóvis, Boca da Noite) e continuamos singrando os deliciosos mares do “lado B”.
Bandeira de Guerra foi a próxima. Não resisti e disse a ele que acho essa música maravilhosa. Ele me respondeu com olhar de sincera curiosidade; “é mesmo”?
Quando tocamos a maravilhosa “Noite Longa”, “Seu” Paulo não se lembrou que essa música era dele! Incrível! Pensei que isso era o cúmulo do desprezo com suas próprias criações ou talvez um ar “blasé” forçado, de pouco caso, mas, vindo dele, é uma manifestação legítima e perfeitamente compreensível.
Por volta das 11 da noite, sem se despedir de ninguém como é permitido aos grandes, “Seu” Paulo levantou-se da poltrona e subiu as escadas do sobrado. Todos se entreolharam e não foi preciso dizer que o Mestre, nos seus gloriosos 87 anos, estava cansado. Mas a noite estava ganha.
De quebra ainda apareceu por lá Roberto Riberti, parceiro de Eduardo Gudin, Elton Medeiros e Arrigo Barnabé, letrista de obras primas como O Velho Ateu, Águas Passadas, Lenda, Cidade Oculta e tantas outras maravilhas. Conversamos bastante. Que noite!!!
Estar com essas pessoas faz com que nos sintamos, um pouco, como um deles e se o hábito do cachimbo faz a boca ficar torta, talvez um dia eu realmente seja. Oxalá e Inshalá!

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