2011-01-25

PONDO O PÉ NA PROFISSÃO

Já que o texto "Pondo o Pé na Profissão", escrito para o Blog do Cantinho não está aparecendo no link, estou postando ele diretamente aqui. Espero que gostem!
Abraços,
Mário Mammana.
PONDO O PÉ NA PROFISSÃO.
Gatunamente usufruindo da liberdade que o Cantinho me proporcionou aqui, quero terminar o ano falando de um assunto que me é muito próximo e que diz respeito ao mote dessa coluna, qual seja, o prazer e o belo (não o cantor), sendo essas grandezas intimamente relacionadas aos bares e à noite de São Paulo. Talvez a coluna de hoje seja mais longa do que eu pretendia e já peço desculpas de antemão por isso. É que o assunto é vasto! Quero falar de música! Ou mais particularmente dos meus amigos músicos! Peço desculpas também pelo tom intimista e autobiográfico.
Fernando Brandt, letrista dos melhores, começa a música Bailes da Vida dizendo: “Foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão que muita gente boa pôs o pé na profissão de tocar um instrumento e de cantar não importando se quem pagou quis ouvir”...é, foi assim! Eu me lembro muito bem.
Quanto à minha história, aprendi alguns acordes no violão aos oito anos. A partir daí me tornei auto-didata e um voraz consumidor da revista Violão e Guitarra (Vigú para os chegados). Aos quinze, ganhei um cavaquinho e um método. Saí tocando. Ainda aos tenros quinze anos pratiquei a minha primeira e tímida incursão na noite paulistana. Um amigo da escola me levou ao Bar do Amorim, uma biboca instalada numa sobreloja da Rua Augusta. Ao nosso lado um rapazola magrelo tocava violão como eu nunca havia escutado e cantava como um anjo. Era o Djavan. O meu “debut” foi o melhor que eu poderia imaginar!
Na Faculdade de Direito eu passei meses indo por aí, com o violão debaixo do braço, bebendo cachaça e organizando “violadas” no Centro Acadêmico. Até que, aos 20 anos de idade, dois amigos do bairro me convidaram a formar um grupo de samba! O nome? Grupo Pró-Alkool (assim com k mesmo) mais em referência às quantidades de álcool ingeridas pelos membros do que ao então emergente programa energético governamental. Durante cinco anos tocamos na noite, muitas vezes dormindo sobre os instrumentos, em razão do trabalho durante o dia e da faculdade. Fizemos uma pequena história, tivemos um vasto fã-clube feminino e tocamos em muitos bares, hoje extintos (não por culpa nossa). Andrade, Pote, Brasileirinho e tantos outros. Também dávamos expediente aos domingos a noite no “Botecão” (perto da Paulista), onde tinha macarrão ao sugo “de grátis” e onde eu conheci grandes sambistas do naipe de Odair do Cavaco, Cebolinha, Silvião do pandeiro e tantos outros.
Daí porque inicio esta homenagem aos meus queridos amigos (até hoje) companheiros de conjunto (na época ainda não se chamava “banda”). Além deste que vos escreve, ao cavaquinho, a troupe ainda contava com Gabriel na timba, Dé no pandeiro, Mauro no ganzá e no charme, Ronaldo no tamborim e nas relações públicas principalmente com as mulheres (infelizmente já falecido) e alguns outros bissextos. Desses, um carinho especial ao Maugéri Sobrinho, também já falecido. Um velhinho simpaticíssimo cujo apelido era “azulejo” (em razão da calva brilhante) e compositor da música “a taça do mundo é nossa”, além do hino do Santos Futebol Clube (agora quem dá bola é o Santos...). Esse simpático senhor nos acompanhou ao violão e ao bandolim brilhantemente. Saudades!
Outro violonista de 7 cordas sensacional que nos acompanhou na época foi o grande João Macacão, que muito nos ensinou e até hoje está na ativa (ainda é novo). Continua um ótimo amigo! Teve ainda um terceiro violonista, também já falecido, Seu Mário do 7 cordas, que havia tocado no regional do caçulinha na juventude e após sua aposentadoria nos procurou e ofereceu seus serviços tendo a séria intenção de terminar a vida fazendo o que mais gostava. Conseguiu e hoje temos orgulho de ter tocado com ele, uma das pessoas mais doces e educadas que conheci. Saudades!
O grande cavaquinista Seu Moreira, amigo de Paulinho da Viola e enfermeiro aposentado do HC, com quem muuuuuiiito aprendi. Saudades!
Essas pessoas todas não sabem disso mas forjaram em mim o mais profundo amor pelo samba, pelo choro e, principalmente, a paixão de tocar um instrumento num grupo.
A partir daí a história definitivamente se abriu num leque maravilhoso. Toquei com e conheci tanta gente boa e competente que às vezes fica até difícil lembrar de todos.
No saudoso Clube do Choro (e na “rua” do choro) conheci músicos maravilhosos. Infelizmente vários já se foram. O cantor Rubão, incrível voz negra que mandava o recado sem microfone. Gentil do Bandolim, também conhecido como Canhoto, Seu Tavinho no cavaco, Xixa do cavaco, Carioca no violão de seis, Manezinho da Flauta que dizia ser sobrinho do Pixinguinha (até hoje ninguém sabe se era mesmo), o maravilhoso flautista Carlos Poyares, e quanto aos felizmente vivos, o sensacional clarinetista Stanley, Zé Barbeiro, Cidão do 7 cordas, Miltinho, enfim, tanta gente...
Na Praça Benedito Calixto, um belo dia, surgiu um bar que ficava aberto até altas horas, o Vida e Arte, e onde todos os músicos da região iam fechar a noite após terminar o “expediente”. Desnecessário dizer que tudo acabava em samba até os primeiros raios do astro rei! (bonito isso hein?!).
Lá conheci e me tornei amigo (até hoje, para a minha sorte) do incrível compositor e violonista Antonio Mineiro, do Dr. Francisco Aguiar também conhecido como Chico Médico, cantor de vasto repertório de samba e meu médico até hoje, do talentoso violonista e cantor João Lúcio, meu amigo e parceiro (em várias músicas) e tanta gente mais...
No maravilhoso bar Vou Vivendo, legítimo herdeiro do Clube do Choro, fui vivendo noites incríveis. Assisti Hermeto Paschoal, Francis Hime, uma das últimas apresentações da maior cantora que já vi, Elizete Cardoso, o ótimo grupo vocal Canto a Canto e fiquei amigo da minha querida Jane do Bandolim, ou Jane da Bandola, como ela se auto-intitula.
No (talvez) melhor bar de música brasileira da história de São Paulo, Boca da Noite, também vi e vivi noites memoráveis. Lá conheci Filó Machado, Paulo César Pinheiro, Eduardo Gudim, Maria Marta, Elton, Julinho e tantos outros cabras maravilhosos...
Após tantas e incríveis aventuras caí de paraquedas (e nunca mais saí) no Bom Motivo Bar. Daí a lista é enorme. Vamos por partes como diria o esquartejador: a começar do dono do estabelecimento, Roberto Lapiccirella, que também dava expediente de músico e cantor dos melhores, Waltinho, sambista de primeira e até hoje nas paradas, Maurício Anacleto, sensacional condutor de multidões (principalmente as femininas), Roberto Boca, de acento deliciosamente nordestino, o percussionista Maquininha, que não tem esse apelido a toa, Luís do violão, o mais admirado por todos, o sensacional Escobar, já falecido e que só aparecia para tocar depois da novela das oito, até ganhar um videocassete do dono do bar para chegar no horário, Carmem Queiroz, maravilhosa cantora, a sensacional pandeirista Roberta Valente, hoje “nas paradas de sucesso” com todo o merecimento, Iran Clayton, o mais simpático, Josias Damasceno meu parceiro (num samba só, infelizmente), pianista, violonista e cantor de levantar poeira, Mônica Salmaso, na época uma garota insegura e meio gorduchinha, o incrível (também infelizmente falecido) Ney Mesquita, um dos melhores cantores que já ouvi e meu ótimo amigo, Thaís Duque Estrada, amiga querida até hoje, na época uma menina de 17 anos que já esbanjava toneladas de talento cantando sambas que não eram da sua época e demonstrando uma cultura musical incomum, Oswaldo Bosbah, também amigo e parceiro (em várias músicas), prestes a lançar o primeiro CD, também um incrível músico e cantor, Ibys Maceió, talentoso cantor, violonista e compositor, também parceiro em vários sambas e que infelizmente voltou para o torrão natal, o meu “quase” parceiro e grande cara Roberto Simões, o meu queridíssimo parceiro (em uma música só) e talentosíssimo Wagner Brandão, pessoa doce e sensível que papaidocéu chamou cedo demais e por fim, meu irmão (até hoje Graças a Deus) Claudio Duarthe, violonista maravilhoso que não ia com a minha cara a princípio e depois se tornou meu grande amigo e parceiro em várias composições. Através do Cláudio me tornei amigo ainda do Pratinha, flautista e bandolinista sensacional, do Pimpa, o melhor pandeirista do pedaço, do Chico Filho, saxofonista excelente, do Adriano Busko, o percussionista mais criativo que conheci e do sensacional Adílson Rodrigues, arranjador de corais e crooner da ótima banda “Cometa Gafi”, que uma vez defendeu um samba de breque meu e do Cláudio, chamado “Nickname Brad Pitt” no festival de Tatuí e ganhou o troféu de melhor intérprete. Quantas histórias para contar....
Dos famosos fiquei amigo, na época, da genial Miriam Batucada e do “maior de todos”, Zé Kéti, a ponto de freqüentar a casa de ambos muitas vezes.
Mas a saga ainda não terminou! Tempos depois passei a freqüentar um bar vizinho ao Bom Motivo chamado “O Feitiço de Áquila”, nome pomposo para um lugar simples. O dono, Samir El Shaer, hoje compositor e realizador de trilhas para a TV, agitou o pedaço contratando bons músicos e convidando alguns famosos para se apresentar no bar. Zé do Bré, Renato Brás, Lula Barbosa, Fátima Guedes, Filó Machado, Carlinhos Vergueiro e principalmente o cara que se tornou muito meu amigo, Walter Franco. Quantas e quantas horas discutimos a vida e os rumos da música brasileira?! Além disso ele me convidou para cantar com ele a música “Me Deixe Mudo”, num show que ele fez no SESC Ipiranga e um dia me apresentou uma grande pessoa chamada Zé Ramalho, no camarim de um show do próprio. Bebemos uísque até de manhã. Sensacional! Além disso ainda existia as cantoras e os músicos amadores da casa. Zaira, Edilene, Solange, Gêmeos, Cacá, e tantos outros...
Também freqüentava, concomitante e democraticamente o sugestivo Música & Cia., dos meus queridos amigos Lúcio (já no céu) e Miguel Bargas. Quantas vezes fui lá escutar a banda do sensacional Kitú, cantor, guitarrista e pessoa da melhor qualidade!
Nessa época me tornei amigo (também felizmente até hoje) de um cara daquele tipo que dá orgulho na gente só de mencionar o nome. Ítalo Perón. O que dizer de um violonista, arranjador, pensador da música, com o extenso e variado talento que ele tem?! Além disso, o filho dele, Fábio Perón, merece um capítulo a parte. Eu o conheci aos 5 anos de idade (!), tocando flauta doce. Naquele dia ele me disse com a inocência própria das crianças: “Mário, vamos montar um grupo de chorinho?”. O fato é que muitos anos depois, ele já encantando a todos no bandolim, realmente começamos a tocar juntos em várias ocasiões. Deliciosa história e ótimas pessoas.
Também por esses tempos me tornei ótimo amigo (até hoje) do grande Waltão Lacerda (no tamanho e no talento), excelente flautista e meu colega de turma na faculdade de direito, como logo descobrimos.
Ainda no Feitiço de Áquila conheci a maravilhosa Fabiana Cozza (a rima foi sem querer mas bem que poderia ser de propósito), que imediatamente se tornou uma grande amiga. Na época, uma menina de 20 e poucos anos, Fabi era uma força da natureza. Cantava (e ainda canta) com a propriedade e a segurança das cantoras com 40 anos de carreira. Um vozeirão de tremer as janelas e que encantou a todos desde o primeiro momento.
Tive o privilégio de acompanhá-la ao cavaco em muitos shows no Villagio, no circuito dos SESC´s e outros espaços da cidade até que recebemos a incumbência e começamos a organizar uma roda de samba no bar Ó do Borogodó às segundas-feiras. Conosco, vários músicos maravilhosos e hoje ótimos amigos. Ruy Weber, incomparável violonista e acima de tudo excelentíssima pessoa, João Poleto, flautista e saxofonista talentosíssimo, o gênio da turma, Ildo Silva, ótimo cara e ótimo cavaquinho e Cebolinha, batuqueiro de rara sensibilidade. Evidente que a roda pegou e pegou a ponto de parir o primeiro CD de Fabiana Cozza chamado “O Samba é Meu Dom”. Tive o privilégio de participar desse CD, acompanhando ao cavaco a faixa “A Morte de Chico Preto” (Geraldo Fiúme), sem contar com a glória de ter uma música minha gravada pela Fabi. É a faixa “Luzes” (em parceria com o já citado Josias Damasceno).
Através da Fabi conheci ainda outros ótimos músicos e amigos. Cito dois que são mais próximos: Douglinhas Alonso um garotão que destrói tudo na percussão e Marcos Paiva, baixista, arranjador e produtor musical de competência prá lá de comprovada.
Ao mesmíssimo tempo em que tudo isso acontecia, eu também participava do conjunto “É do Baú”, de samba de raiz, com meus caríssimos amigos Chico Médico (já citado), Carlão Amigão no violão de seis, Kika, destruindo tudo no pandeiro, Cebolinha na percussão e em algumas ocasiões com meu querido Paulinho Amaral (violão de seis) com quem formei ótima dupla e que anda sumido demais.
Isso sem contar com participações esporádicas porém muito aguardadas por mim no conjunto “Inimigos do Batente”, dos grandes amigos Fernando Szegeri e Paulinho Timor! Luxo total!
Logo depois disso tudo ou ao mesmo tempo, nem sei, tropecei e caí na porta do Bar do Cidão de onde também nunca mais saí.
Quantos músicos excelentes conheci por lá. Alexandre Arruda, trombonista fino, Paulinho Ramos no 7 cordas, Renato Vidal ao pandeiro, Alessandro Penezzi, grande violonista, Neto Amaral, cabra da peste e cantador dos melhores, Marcel do cavaco, isso sem contar que quase todos os anteriormente citados davam e continuam dando as caras no boteco. As canjas então, maravilhosas. Beth Carvalho, Dona Inah, Marcos Bailão, Hamilton de Holanda, Yamandú, Gabriel da gaita, enfim, um time da craques!
Mais recentemente freqüentei bastante o Tocador de Bolacha, dos meus queridíssimos Stella Guerreiro e Antonio Mineiro (aquele violonista que conheci no início do texto), cujos nomes até rimam. Lá, em vários anos de agradabilíssima coexistência, convivi com muitos dos músicos já citados. Que tempo bom!
Bem mais recentemente me tornei amigo do excelente violonista e compositor Floriano Villaça e do “bárbaro” compositor e cantor Rogério Santos, para meu orgulho, além das ótimas cantoras e professoras de música Regina Machado e Sônia Ruberti, o que prova que tem sempre lugar para chegar mais e mais gente boa! E muitos mais virão, certamente!
O fato é que até hoje estamos todos por aí, tocando e cantando pelas quebradas da vida. E pretendemos fazer isso muitos anos mais, afinal de contas, Cervantes dizia que “onde há música não pode haver coisa má” e Shakespeare colocou na boca de Cleópatra as seguintes palavras: “música, caprichoso alimento de nós que negociamos o amor”.
A todos estes fantásticos músicos, inclusive aos que cedo já partiram, aos famosos e aos nem tanto (porque esse país é assim, infelizmente), grandes amigos e grandes pessoas e a todos os outros que eventualmente omiti, mais pela senilidade galopante do que pela desimportância deselegante, o meu reverente “buana, buana”, o meu entusiasmado evoé e o meu “mais profundo e emocionado muito obrigado”.

Aulas de violão, shows, música ao vivo - antoniomineiro@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário